quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Algumas cartas de escreviventes: proposta I

São Paulo, 29 de agosto de 2009


Aos que pedem que eu leia em voz alta,

Protesto. Ou nem tanto: advirto. Inicio esse texto pedindo-lhes critérios menos rigorosos de apreciação. Lembrem-se de que escrevi já sabendo que precisaria ler em voz alta. As palavras tiveram de ser outras, pois passaram pelo crivo de sua audição. Confirmo: há textos para serem lidos apenas em voz baixa.

Ao pedirem que eu leia em voz alta, exigem que eu drible minhas deficiências de dicção e interpretação. Enquanto minha caneta tenta se empolgar, a consciência de que eu não conseguiria ler longos trechos sem vírgula me serve de freio. Na contramão, o receio de usar vírgulas em demasia, de modo a truncar o texto, também me é preocupante.

Entendem por que a carta lhes é endereçada, ainda que eu não possa delimitar quantos vocês são? Ela poderia ser destinada a políticos, às companhias telefônicas, ao Papai Noel, ou a Deus, mas tudo me foi menor que a expectativa de sentir minhas frases amplificadas.

Vêem como é a vocês que eu deveria dirigir minhas primeiras reclamações? Sim, pois tenho de calcular o dizer, e quando as palavras são mal ditas, soam como meias palavras. Mal ditas me vale até para um exemplo. Quem ouve pode ter entendido malditas, tudo junto, e não mal ditas, separado, no sentido de “dizer de maneira incompetente”. É difícil.

Vocês, que nunca se imaginaram culpados, e que hão de reagir às minhas inoportunas ponderações, tratem de se resignar. Peço que sejam mais compreensivos, e que relevem a ineficácia de meu discurso. Se a escrita nasceu da fala, sou órfão de mãe.

Quando voltarem, tenazes que são, a sugerir que eu leia em voz alta, recordem dessa carta, mas subvertam o tom rabugento que ela tem, e preservem a certeza de que me fizeram muito bem.

Noubar Sarkissian Junior

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São Paulo, 29 de agosto de 2009.


Ilmo Sr. Diretor da Casa das Rosas
Saudações

Meu nome é Luiz Monteiro e , nos últimos meses, passei a frequentar os eventos, cursos e oficinas da Casa das Rosas.
Estou muito satisfeito com a programação das atividades, atendimento, dos funcionários, e a qualidade das aulas e oficinas e ministradas pelos professores. Recomendo e dou nota dez, principalmente por se tratar de um serviços públicos que , em geral , não funcionam de modo satisfatório. Aqui as coisas são diferentes: estamos em uma ilha de exceção , um oásis nesta nossa realidade caótica.
Entretanto, nem tudo são rosas. Há espinhos. Então, tomo a liberdade de apontar um ponto que poderia ser melhorado: as carteiras das salas de aulas localizadas no primeiro andar.
Dizem os especialistas em aprendizagem que o bom estudo começa com uma boa cadeira. Entretanto, as carteiras daqui são apropriadas para jovens magros, não para barrigudinhos como eu, que tem que ficar com o umbigo encostado no apoio onde se escreve, por duas ou três horas, o que não é nada confortável.
Uma solução prática e de baixo custo poderia ser serrar o braço das carteiras universitárias , transformando as carteiras em cadeiras simples. Isto poderia ser feiro com apenas três ou quatro carteiras de cada sala. Deste modo, os gordinhos poderiam optar: sentar em carteiras ou cadeiras.
Antecipadamente agradeço pelo exame da oportunidade da aplicação da sugestão.

Luiz Monteiro

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São Paulo, 29 de agosto de 2009.

Prezada Antonia,

A sua alegria traz mais vida a esta casa.

Não vou me estender numa verdadeira dissertação, sobre suas qualidades.

Mas sua voz ecoa em nossos ouvidos como uma suave melodia jamais cantada pelos pássaros.

Todas as noites as crianças desejam ouvir mais uma daquelas histórias que só você sabe contar.

Estamos aguardando a sua volta com grande expectativa, pois assim como os seres necessitam e almejam os raios solares, a sua presença é como uma luz em todos os cantos e recantos de nossas vidas.

Você é tudo de bom, e tudo de boa.

Sua amiga,
Carolina. ( Henrique Alves)

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São Paulo, 29 de agosto de 2009.

Senhores Francisco da Silva e Joaquim de Souza:

Quero alertar aos senhores para a deficiência técnica que o microondas “DEF”, de fabricação de vocês, tem apresentado sérios problemas.

Houve, recentemente, em minha loja, inclusive, seis casos de devolução, que achamos por bem aceitar.

Alguns clientes reclamaram da fragilidade e ineficiência do aparelho acima mencionado.

Eles me trouxeram os aparelhos defeituosos e estou repassando-os para os senhores.

Espero receber outros novos para que eu possa ressarcir os meus clientes.

Sugiro aos senhores que façam uma reavaliação na fabricação desse modelo de microondas em futuras produções.

Certo de estarmos contribuindo para o êxito de seu novo e promissor empreendimento e também para a continuidade de nossos negócios,

Atenciosamente,

Luiz Ricardo
Gerente Comercial das Lojas do Povão. (Henrique Alves)

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Reclamação




Cara Karen kipnis;

Venho através desta carta reclamar sobre o tema dado em sua aula .

Reclamação! Reclamação !

Não sei fazer . Só reclamando então.

Culpa sua ? Não, rápido te aviso , não é sua, é minha .

Depois de muito reclamar quase lamentar decidi e vou te confessar ; não sei reclamar!

Não sei reclamar em papel endereçado com espaço em branco e todas as linhas para que palavras escritas possam seguir seu rumo e alvo certo .

Mais fácil reclamar em palavras soltas, palavras que ficam guardadas no teto da minha sala como balões e murcham, morrem com o tempo .

Reclamo sim, só dentro de mim e quando isso acontece até sinto uma falta de ar, raiva das mais vermelhas !

Com os olhos fixos na minha queixa me concentro e pondero ;

Será que não estou errada em me achar certa ?

Então algo turvo e cinza me rodeia , assombra, chamo isso de medo.

Medo da fúria que posso sentir se for certeira , do ódio que posso causar ao meu destinatário na confusão das minhas idéias .

Desisto .

Covarde , confusa , nem um pouco Medusa .

Mas perceba, que interessante !!

Este tema veio a calhar e agora esse segredo posso contar .

Obrigada Karen .


Laura De Guglielmo .

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